quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O processo de colonização tecnológica da Microsoft agora nos Telecentros

Uma das principais frentes de luta do movimento software livre é, desde sempre, a inclusão digital. São inúmeras as iniciativas desempenhadas neste sentido, desde o enorme empenho em criar uma tecnologia acessível financeiramente ou até mesmo gratuita a todos os usuários interessados, até a melhoria dos padrões gráficos e visuais para torná-las cada vez mais amigáveis aos não-técnicos e àqueles que estão a iniciar o uso de tecnologias de informação e de comunicação mediadas por computador.

Uma das primeiras ações de peso do movimento foi a promoção de projetos de inclusão digital que foram oferecidos a algumas prefeituras, e que deram tamanho sucesso, como os casos dos Telecentros de Porto Alegre, os Telecentros de São Paulo e outras iniciativas. Os Telecentros de São Paulo foram criados para oferecer a toda a população, principalmente a mais carenciada de recursos, um espaço onde pudessem aprender e a utilizar os meios tecnológicos disponíveis em um computador ligado à Internet, imprimir documentos, pagar contas, mandar e-mail, tratar assuntos de e-Gov, trabalhos escolares, pesquisas e buscas na rede, etc. Sempre foi pensado como um espaço de cidadania e possuem uma estrutura organizacional muito interessante.

Os telecentros geralmente só são instalados em comunidades onde existam infra estrutura de mobilização social, pois a intenção é que eles se auto-gestionem por uma comissão local e não sejam mais uma ação pública, como todas as outras, de caris paternalistas. Desde o início, o projeto só foi viável porque contou com a participação de técnicos e engenheiros de software comprometidos com a causa do código-aberto, pois os recursos sempre foram escassos e seria inviável solicitar a aprovação de um projeto como este utilizando software proprietário. Neste sentido, a prefeitura de São Paulo entrava com a montagem da infra-estrutura material, apoio técnico e tecnológico por um determinado período, paga algumas contas fixas, como energia elétrica e água e, no mais, são criados comitês gestores da própria comunidade para gerir e determinar os objetivos e as finalidades dos telecentros, a forma de organização do espaço, a forma de acesso, etc. Entretanto, os recursos sempre foram públicos e de doações. Em alguns casos cobrou-se uma taxa de inscrição ou de utilização por algum serviço, tipo impressão, etc... apenas para cobrir os gastos administrativos que não eram suportados pela prefeitura. E estava a funcionar muito bem... os telecentros acumulam histórias de sucesso contadas em livros, dissertações e monografias acadêmicas, congressos, fóruns, palestras. E toda essas histórias estiveram sempre associadas diretamente a experiência de uso de softwares livres nos telecentros.

Ontem, foi marcado um encontro entre a Prefeitura de São Paulo e a Microsoft. A Empresa ao perceber o sucesso da experiência dos telecentros, que mesmo contra-a-corrente conseguiu demarcar seu território e fazer a diferença, e com medo da perda constante de futuros usuários desta tecnologia, ou melhor, de indivíduos adestrados apenas na sua tecnologia, resolveu doar à Prefeitura licenças do Windows e de outros programas aplicativos para a Secretaria de Participação e Parceria (SEPP). Ao longo de 2008, os 170 telecentros atuais da prefeitura serão adaptados para aceitar os dois sistemas operacionais, Linux e Windows. E os 130 telecentros planejados já serão entregues com os dois sistemas. Em cada computador, haverá uma parte do disco com Windows e outra parte com Linux.

Eu não me oponho à utilização deste sistema, até porque defendo a liberdade de escolha, e se falamos em inclusão digital, devemos pensar em dar oportunidades de escolha aos nossos sujeitos dotados de capacidades de discernimento. A questão é a inversão de discurso com a atual administração da Prefeitura de São Paulo.
Francisco Buonafina, chefe de gabinete da SEPP-SP, declarou ontem ao TI&Governo que esta ajuda é muito importante, porque a prefeitura poderá incluir muito mais pessoas contando com o sistema Windows, pois tem muitos mais cursos preparados neste sistema e poderá alcançar mais pessoas. Nesta pequena declaração o secretário está pondo em causa o princípio básico de escolha. Se a adesão ao Windows vai-se fazer em detrimento ao uso e promoção do softwares de código-aberto, podemos dizer que a mega-corporação, mais uma vez, está chegando e “colonizando” o espaço democrático construído com tanto sacrifício durante anos de luta.

Depois continua o secretário: “Cada telecentro da prefeitura tem 20 PCs, informa Francisco Buonafina. Pelo preço de mercado do Windows Vista Home Premium, R$ 499,00, a doação vale uns R$ 3 milhões (sem contar descontos por volume e descontos especiais para órgãos do governo). No futuro, diz Francisco, a meta é fazer com que os telecentros se tornem auto-sustentáveis. Hoje, a prefeitura gasta R$ 15 mil para reformar o espaço e, depois, R$ 1.100,00 por mês para pagar água, luz, telefone e Internet. Senão o estado fica bancando os telecentros eternamente. O que é um horror.” (fonte: TI&Governo, no.226 ano 5). Ou seja, a prefeitura já começa a pensar que o projeto de inclusão digital é um peso e não uma obrigação pública. A prefeitura já começa a querer se livrar do compromisso, que para seu secretário é um “horror” investir nesse tipo de ação. Tenho medo do que virá em seguida, sinceramente!

Por este, e por outros motivos que percebo que a luta nunca chegará ao fim. Enquanto existir hegemonias, haverá sempre dominadores e dominados. É preciso lutar firmemente contra elas. Povo dos telecentros, ativistas do movimento software livre, simpatizantes e engajados, vamos começar a abrir nossos olhos e ficarmos atentos a mais este “processo de colonização” induzida que começa a ser operado junto de uma conquista suada e que tanto nos orgulha.

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