Li hoje numa reportagem divulgada pela agência Lusa que uma grande parte dos idosos portugueses pensa na morte, mesmo sem estar a sofrer de alguma doença crônica ou terminal. Destes, 50% dos que possuem mais de 65 anos admite a legalização da morte assistida, ou eutanásia. Lido assim, esses dados podem ser alarmantes e desalentadores. Portugal, como a maioria dos países europeus, possui uma população média bastante envelhecida e ao chegarem na “terceira idade” (???) já não sentem mais estímulo para continuar a viver. Algumas hipóteses que poderiam justificar os dados apontados poderiam ser:
1) a população idosa lusitana talvez não se sinta mais produtiva, útil para a família e para a sociedade considerando-se um problema e por este motivo não encontram motivos para dar continuidade a uma existência que não “produz”. Mais uma vez aqui está o reflexo de uma cosmologia ocidental do progresso, que sobrevaloriza o “novo”, como próspero, em detrimento do “velho”, como algo detestável e que deve ser rejeitado;
2) a falência do “Estado de providência” um pouco por todo o lado, mas especialmente em Portugal, que nunca teve assegurado uma seguridade a sério, pode estar colocando a população envelhecida num beco sem saída. A falta de recursos e o descaso pela situação desta parcela considerável da população, a demora no atendimento de saúde, o encerramento de hospitais, a pouca co-participação do governo na manutenção de uma vida exigente e cada vez mais cara, pode estar levando os portugueses envelhecidos a uma situação de desespero e de medo do sofrimento. Uma das alternativas seria encerrar a vida, motivada as vezes pela hipótese anterior;
3) uma terceira possibilidade explicativa seria a crescente secularização da população portuguesa (que particularmente não acredito ser muito grande), que permitiria a opção por violações de princípios inegáveis, como o direito à vida. Os princípios religiosos já não seriam mais um impeditivo para se pensar em aborto, eutanásia, pena de morte, etc. e a radicalização do princípio liberal de liberdade individual teria vencido os velhos princípios regulatórios morais de cunho religioso;
4) uma quarta hipótese que poderia ser levantada é que a população envelhecida por anos de sofrimento e de luta já encontra-se cansada, e diante da realidade concreta, e desanimados com as mudanças que nunca chegam, perdem a esperança e a vontade viver neste mundo, e começam a apostar, alguns, numa outra vida menos desalentadora. Esta seria, de fato, uma constatação extremamente cruel e que mereceria total relevância num estudo mais acurado sobre o tema;
Estas são apenas algumas especulações de hipóteses explicatórias coletivas, numa perspectiva que poderia ser analisada pelo viés psicossocial. Certamente que do ponto de vista das motivações individuais, a lista aumentaria em muito. A atualidade em constante mutação, a fragilidade da segurança, a sociedade de risco, a globalização hegemônica desenfreada estariam criando um mundo sem utopias e sem esperanças, em outros termos, sem uma motivação objetiva que assegure a defesa da vida fora dos padrões daquilo que é definido como saudável, bom, seguro, estável, normal, padrão (valores ocidentais eurocêntricos ???).
Entretanto, este seria um prisma analítico se os dados fossem tomados como gerais se refletissem a maioria da totalidade da população lusitana. Não é o caso! Como todo empreendimento científico, parte de um recorte. A pesquisa que originou os dados divulgados pela agência Luso é fruto de conclusões de um projeto desenvolvido pelo serviço de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Durante um ano recolheram dados junto de uma população selecionada de 815 idosos, institucionalizados em lares e residências de terceira idade em todo o território nacional, incluindo as regiões autônomas da Madeira e dos Açores. Aqui está o elemento que nos permite então delimitar o universo e orientar as nossas hipóteses.
A população estudada é de idosos que, de alguma forma, encontram-se em lares e residências de acolhimento, não em suas famílias naturais, não em suas casas com suas vidas independentes, não nas suas aldeias e junto de sua vida cultural construída durante anos. É uma população que está praticamente encarcerada em instituições artificiais, em casas-hospitais, em depósitos de velharias, parados, sentados diante de uma televisão durante todo o dia, a ver programas que não refletem em nada o seu universo cultural, sendo tratados por profissionais que, por ética e exigência das contingências, não podem desenvolver uma relação afetiva com seus “clientes”, mas apenas profissional prática e objetiva.
Não quero cometer injustiça generalizando que todos os lares de acolhimento de idosos operam desta forma. Existem experiências brilhantes de profissionais que extrapolam o meramente profissional. São criativos, afetivos, acolhedores, prazerosos, cheios de vida... Mas são casos raros e poucos para não falar caros. Os lares públicos que conheci são do tipo depósitos de velharias! Alguns são entidades que foram criadas sob demanda, utilizam recursos públicos, escassos, e não se preocupam em nada em oferecer mais do que o estritamente necessário para manter os velhos vivos, enquanto puderem, oferecendo emprego para alguns ainda não tão velhos.
Os dados desta investigação devem servir às autoridades competentes e a todos nós para refletir sobre o destino que queremos dar aos nossos e a nós mesmos no futuro. Isso passa por uma reviravolta nos nossos preceitos cosmológicos, com a conseqüente retomada da valorização do idoso, tornando-o um ser social importante e não apenas um peso. Isso é algo quase impossível em pensar numa sociedade de consumo, descartável e produtivista. Por isso advogamos que esta sociedade não nos serve... queremos construir outra. Eu, e muitos sabemos que um outro mundo é possível. E tu, acreditas????
sábado, 13 de outubro de 2007
Eutanásia em Portugal: uma conseqüência, não uma opção!
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