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domingo, 6 de abril de 2008

Construindo um hipertexto sobre Ciência e Modernidade

[Praia de Vigo, Espanha - Pôr do Sol 25/09/2004 - Foto by: Adalto Guesser]

Nos últimos dias tenho procurado refletir sobre um tema cada vez mais presente em minha vida. A Ciência, a Modernidade, e suas relações com o mundo das coisas e dos seres. Depois de ter aceitado voluntariamente e conscientemente que o mundo é constituído por seres humanos e não-humanos, cabe refletir sobre algumas questões. Não consigo formular, ainda (nem sei se um dia conseguirei), uma teoria capaz de dar sentido geral para tantas incertezas. Do que estou a ler e reler, proponho o hipertexto que se segue, feito pela junção de pensamentos racionais de homens de realidades e ocupações diferentes, cujo final, ..., ah, sim, o final... esse, fica em aberto, pois como digo frequentemente, quando não consigo explicações racionais para o mundo em que vivo, fujo para as artes, para a literatura, a música, os poemas, as cores, os sons.

Sciencia

Considerar a sciencia como valendo em si alguma cousa é fazer metaphysica.
A sciencia só vale humanamente, só como útil para a vida humana. Em si (por razões já expostas) não vale nada porque o conhecimento scientífico é puramente relativo[.]
(Fernando Pessoa [*1])

Ciência moderna

Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor ão estão antes nem depois da explicação científicada natureza ou da sociedade. São partes integrantes dessa mesma explicação. A ciência moderna não é a únicaexplicação possível da realidade e não sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão por que privilegiamos hoje a forma de conhecimento assente na previsão e no controle dos fenômenos nada tem de científico. É um juízo de valor. A explicação científica dos fenômenos é a auto-justificação da ciência enquanto fenômeno central da nossa contemporaneidade. A ciência é, assim, autobiográfica. (Boaventura de Sousa Santos [*2])

Ruptura moderna

A ciência moderna nasceu de uma ruptura brutal em relação à antiga visão de mundo. Ela está fundamentada numa idéia, surpreendente e revolucionária para a época, de uma separação total entre o indivíduo conhecedor e a Realidade, tida como completamente independente do indivíduo que a observa. (Basarab Nicolescu [*3])

Universalidade da modernidade

A modernidade pertence a essa pequena família de teorias que simultaneamente se declara e se deseja de aplicabilidade universal. O que tem de novo a modernidade (ou a ideia de que a sua novidade é um novo tipo de novidade) decorre desta dualidade. para além de tudo o que criou, o projecto iluminista aspirou a criar pessoas que, post festum, viessem a querer ser modernas. Essa ideia que em si próprias se consuma e se justifica provocou muitas críticas e muita resistência, tanto na teoria, como na vida quotidiana. (Arjun Appadurai [*4])

Jamais fomos modernos

Posso agora escolher: ou acredito na Constituição moderna, ou então estudo quanto o que ela permite quanto o que proíbe, o que ela revela e o que esconde. Ou defendo o trabalho de purificação - e me torno também um purificador e um vigilante da Constituição - , ou então estudo tanto o trabalho de mediação quanto o de purificação, mas então, deixo de ser realmente moderno. (Bruno Latour [*5]).

E agora José, Maria, Boaventura, Latour, Adalto, ...

Et quid nunc, Ioseph?
Festum est finitum,
lumen est exstinctum,
cuncta evanuit turba,
nox est frigefacta,
et quid nunc, Ioseph?
et quid nunc, et tu?
Qui nomen non habes,
qui alios derides,
qui versus componis,
qui amas, reclamas?
et quid nunc, Ioseph?
(Carlos Drummond de Andrade [*6])

[*1] In LOPES, Teresa Rita. Pessoa Inédito. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, p. 409.
[*2] In SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987, p. 52.
[*3] In NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdiciplicaridade. São Paulo: Triom, 2001, p. 17.
[*4] In APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da Globalização. Lisboa: Teorema, 1996, p. 11.
[*5] In LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000, p. 50.
[+6] In BÉLKIOR, Silvia. Ioseph. Tradução para o latin de "José", poema de Carlos Drummond de Andrade, disponível em http://www.revista.agulha.nom.br/drumml07.html, acedido em 06/04/08).

segunda-feira, 10 de março de 2008

Pensei que fosse o céu!

[Praia de Calhetas, PE]



Vander Lee e sua incomparável poesia... diz tudo!


Basta adicionar a imagem de um lugar real, que os sentimentos são expressos nos versos do poema deste magnífico mineiro.
Bem, o fato e o cenário eu vivi... faltavam-me as palavras. Eles emprestoume-as.


Veja se não é verdade!

(...) Estava ali, me confundi
Pensei que fosse o céu
O azul do mar me chamou
E eu pulei de roupa e de chapéu
A onda veio e me levou
Desse lugar e agora eu sou
Uma ilusão, a solidão é meu troféu
Aquela foto amarelou
O riso no meu camarim
Felicidade bate a porta e ainda ri de mim (...)

domingo, 20 de janeiro de 2008

Como nasce um poema? Quem escreve poemas?

Estou a ler um livro que, como toda obra literária, não contém apenas histórias de ficção, mas também, uma boa soma de realidade recriada. O enredo da trama, de fato, está baseado em uma ampla investigação séria sobre a vida e o contexto em que viveu uma das personalidades mais conhecidas do Ocidente: São Francisco, o poverello d´Assis! A obra, “A conspiração franciscana”, publicada pela editora Sextante (2007), da pena de John Sack, um literato americano de Ohio, formado em língua inglesa pela Universidade de Yale.

Quando da seleção do livro para compra, chamou-me a atenção e despertou-me o interesse o fato de já ter conhecimento do autor por outras veredas literárias. Ele, como eu, percorre caminhos não uniformes do Conhecimento, separados pela academia tradicional em áreas específicas que não se comunicam. Ele, como eu, procura juntar, conciliar estas áreas dissociadas do Saber, tornando menor a distancia que as desconecta. Ele, um literato que escreve livros técnicos de informática; eu, um sociólogo da técnica e da tecnologia, e pretenso poeta.

Entretanto, não foi a biografia múltipla do autor que me motivou a escrever este post, e sim uma das tantas passagens de um de seus livros que me saltou aos olhos; talvez por dividir com ele a mesma relação com a poesia e com a literatura. Trata-se de um diálogo simples, mas como tudo que é simples na vida, repleto de verdades e sabedorias. Para não me alongar no hipertexto, transcrevo ipsis litteris a parte, que fala por si. De bônus, segue na continuação um poema meu... um pouco de exemplo concreto do tema em questão. Absorva a essência do diálogo e veja se isso não é um belo tratado de literatura informal. Uma aula que raras vezes conseguimos nos bancos universitários.

“ – Não Enrico – garantiu –, um poema não exprime apenas sentimentos; fala de experiência. Para criar uma única linha, o poeta precisa visitar cidades, conversar com muitas pessoas. Deve reproduzir as vozes dos animais, pairar nas alturas com os pássaros e acompanhar os menores movimentos de um botão se abrindo em flor. Tem de viajar de volta no tempo rumo a caminhos estrangeiros e encontros inesperados para sofrer as doenças da infância (...)” (pg. 96)

(...)

“ O poeta deve sentar-se ao lado do moribundo, perto da janela aberta, para ouvir o choro dos que estão lá fora e a respiração agonizante dentro do quarto. E, por último, deve permitir que essas recordações se desvaneçam e depois esperar com grande paciência que elas retornem.

– É dessas recordações que nascem os versos? – pergunta Enrico.

– Não, filho. Ainda não. Não até que se transforme, através do próprio sangue e da carne do poeta, em pensamentos sem nome, que ele é incapaz de distinguir dentro de si mesmo. Então, no mais puro e raro dos momentos, o poeta consegue destilar deles a palavra de abertura de um verso. (...)” (pg. 97)


Bônus de hoje:

Queria
(Adalto Guesser)

Queria sentir-te, amor.
Sentir o teu cheiro
Teu beijo, calor.
Queria sentir-te, amor.

Não só num momento
Num sonho a perder
Mas sim face-a-face
Com olhos-nos-olhos
Bem junto de mim.

E tocar,
E sentir,
E viver,
E calar...

Queria sentir-me, amor.
Sentir-me maduro, seguro
Sem medo ou receio,
queria ser teu.

E tocar,
E sentir,
E viver,
E calar...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Existem românticos?

Românticos
Composição: Vander Lee

Românticos são poucos
Românticos são loucos desvairados
Que querem ser o outro
Que pensam que o outro é o paraíso.

Românticos são lindos,
Românticos são limpos e pirados
Que choram com baladas,
Que amam sem vergonha e sem juízo

São tipos populares, que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
E passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão

Romântico é uma espécie em extinção.

Românticos são poucos,
Românticos são loucos,
Como eu
Como eu
(Como nós)

domingo, 25 de novembro de 2007

Quando o tempo faz-se sentir



Quando o tempo faz-se sentir, acontecem emanações em nossas vidas, algumas vezes expressas fisicamente (cansaço, debilitações, excitação, ...), mentalmente (estresses, depressões, recolhimentos, ...). Uma das formas que ele se manifesta em mim é através da abertura da veia poética. E daí surgem coisas como esta:


O tempo quer fim

(Adalto Guesser)

Quente momento,
Que esfria com o tempo,
Que foge de mim.
É um triste tormento
Aceito o devir.

Ò tempo cruel
Por que roubas de mim?
Aquele momento,
De triste castigo,
Que fostes comigo
Início e fim.

Retenho bem perto
A doce ternura,
Palavras tão puras,
Tão duras, seguras...
O tempo quer fim.

Eu parto contendo,
Querendo esquecer
O choro trancado,
De um corpo cansado:
Difícil é viver!
E segue a vida,
Sofrida, ferida, sentida
De um sonho vivido
Que foi-se perdido
De ter-te em mim.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Olhares!


Esta tela é a minha preferida. Não tenho muitas, mas essa me toca em especial.
Hoje repousa sobre uma parede de um quarto da velha Coimbra, longe das galerias dos artistas, encerrada num quarto comum, de um cidadão comum. Talvez porque a verdadeira arte realiza-se assim, naturalmente e individualmente. Lembro-me de alguns textos que li dos autores da Escola de Frankfurt sobre a instrumentalização da arte, da técnica, etc. Não gosto da idéia de uma arte instrumentalizada por isso prefiro a idéia de deixá-la repousar sossegada e incólume longe dos holofotes mercadorizantes. A pessoa que adormece todos os dias a olhar para ela não sabe quase nada sobre ela, nem quem a pintou, nem tampouco que o seu título é "Olhares". A assinatura do autor é completamente desconhecida do círculo crítico de arte local e o proprietário não sabe nada de arte plástica, apens gostou do colorido da tela. O nome nasceu assim, como nascem quase todas as minhas inspirações artísticas. Ocorrem sempre depois de alguma coisa que me marcou profundamente. Neste caso, deu-se depois da aula inaugural do programa de doutoramento que hoje curso, onde se falou muito em olhares, olhar do colonizador, do colonizado, dos enganos produzidos entre um e outro etc. e das confusões que se criaram por causa desses enganos... isso ficou-me na cabeça, tanto que batizei esse momento de inspiração com esse nome no plural.

Recriando uma infância

Quando não consigo explicações racionais para os problemas mais naturais, fujo para as artes e extravaso o acumulado de sentimentos ora num poema, ora numa crônica, ora numa tela. Uma das minhas últimas tentativas de desafogar os sentimentos (sempre agônicos), tem sido a experiência de reescrever a minha infância. Por vezes resulta meio reinventada, mas sempre baseada em algum fato que me aconteceu algures no tempo e no espaço que já vivi. A crônica que segue é um exemplo desse lampejar de luz e do reflexo que produziu em mim. Espero que percebam na sutileza das entrelinhas literárias o conteúdo daquilo que sou, e assim possam conhecer-me melhor. Voilá!

Como nasce um projeto social (individual)

Minha mãe sempre me ensinou a dividir. Coisa complicada essa história da divisão. Já no infantário fiz a minha primeira experiência matemática do equilíbrio e da justiça social. Mais tarde voltei a estudar a mesma história numa tal teoria complexa, que de tão sólida se desfez no ar. Mas a minha experiência não desapareceu de minha memória e está gravada como marca indelével. Foi com o meu amigo diferente, que fiz minha primeira aula de matemática-sociológica. Disse-me a professora que ele era pobrezinho, por isso não levava lanche para o recreio. Por este fato, fomos todos motivados a dividir o que tínhamos com ele. Era uma riqueza de bolachas, biscoitos de todos os tipos, maças e “ki-sucos” de todos os sabores. Aprendemos assim a fazer uma divisão, cada um de nós dava uma parte do que tinha na lancheira para o escurinho. Funcionou nos primeiros dias, mas não para sempre. Dias depois, eu que era muito inteligente, percebi que o dito cujo estava a acumular riquezas. Recebia tanto que não conseguia comer tudo e metia um bom bocado do que sobrava na sua lancheira, que sempre chegava vazia e voltava abarrotada.
– Injustiça! fui logo gritando, querendo resolver o problema social – Se não tens fome devolve minhas bolachas, isso não é justo! Era por justiça que eu reagia daquela forma explosiva, não por maldade, nem por egoísmo.
– Zóio azul – respondeu ele – não é falta de fome não, isso até tenho bastante. Não comi tudo para sobrar um bocadinho para dividir com meus três irmãozinhos que estão em casa.
Foi ai que eu aprendi que o mundo é maior que o meu mundo particular e que eu não poderia resolver sozinho o problema da divisão das riquezas, porque sempre haveriam desigualdades e necessidades para dividir. O que ainda não entendo bem é essa minha natureza teimosa e utópica. Nunca consigo desistir de tentar; tenho sempre a esperança de conseguir e por isso sigo fazendo contas.