Nos últimos dias tenho procurado refletir sobre um tema cada vez mais presente em minha vida. A Ciência, a Modernidade, e suas relações com o mundo das coisas e dos seres. Depois de ter aceitado voluntariamente e conscientemente que o mundo é constituído por seres humanos e não-humanos, cabe refletir sobre algumas questões. Não consigo formular, ainda (nem sei se um dia conseguirei), uma teoria capaz de dar sentido geral para tantas incertezas. Do que estou a ler e reler, proponho o hipertexto que se segue, feito pela junção de pensamentos racionais de homens de realidades e ocupações diferentes, cujo final, ..., ah, sim, o final... esse, fica em aberto, pois como digo frequentemente, quando não consigo explicações racionais para o mundo em que vivo, fujo para as artes, para a literatura, a música, os poemas, as cores, os sons.
Sciencia
Considerar a sciencia como valendo em si alguma cousa é fazer metaphysica.
A sciencia só vale humanamente, só como útil para a vida humana. Em si (por razões já expostas) não vale nada porque o conhecimento scientífico é puramente relativo[.]
(Fernando Pessoa [*1])
Ciência moderna
Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor ão estão antes nem depois da explicação científicada natureza ou da sociedade. São partes integrantes dessa mesma explicação. A ciência moderna não é a únicaexplicação possível da realidade e não sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão por que privilegiamos hoje a forma de conhecimento assente na previsão e no controle dos fenômenos nada tem de científico. É um juízo de valor. A explicação científica dos fenômenos é a auto-justificação da ciência enquanto fenômeno central da nossa contemporaneidade. A ciência é, assim, autobiográfica. (Boaventura de Sousa Santos [*2])
Ruptura moderna
A ciência moderna nasceu de uma ruptura brutal em relação à antiga visão de mundo. Ela está fundamentada numa idéia, surpreendente e revolucionária para a época, de uma separação total entre o indivíduo conhecedor e a Realidade, tida como completamente independente do indivíduo que a observa. (Basarab Nicolescu [*3])
Universalidade da modernidade
A modernidade pertence a essa pequena família de teorias que simultaneamente se declara e se deseja de aplicabilidade universal. O que tem de novo a modernidade (ou a ideia de que a sua novidade é um novo tipo de novidade) decorre desta dualidade. para além de tudo o que criou, o projecto iluminista aspirou a criar pessoas que, post festum, viessem a querer ser modernas. Essa ideia que em si próprias se consuma e se justifica provocou muitas críticas e muita resistência, tanto na teoria, como na vida quotidiana. (Arjun Appadurai [*4])
Jamais fomos modernos
Posso agora escolher: ou acredito na Constituição moderna, ou então estudo quanto o que ela permite quanto o que proíbe, o que ela revela e o que esconde. Ou defendo o trabalho de purificação - e me torno também um purificador e um vigilante da Constituição - , ou então estudo tanto o trabalho de mediação quanto o de purificação, mas então, deixo de ser realmente moderno. (Bruno Latour [*5]).
E agora José, Maria, Boaventura, Latour, Adalto, ...
Et quid nunc, Ioseph?
Festum est finitum,
lumen est exstinctum,
cuncta evanuit turba,
nox est frigefacta,
et quid nunc, Ioseph?
et quid nunc, et tu?
Qui nomen non habes,
qui alios derides,
qui versus componis,
qui amas, reclamas?
et quid nunc, Ioseph?
(Carlos Drummond de Andrade [*6])
[*1] In LOPES, Teresa Rita. Pessoa Inédito. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, p. 409.
[*2] In SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987, p. 52.
[*3] In NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdiciplicaridade. São Paulo: Triom, 2001, p. 17.
[*4] In APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da Globalização. Lisboa: Teorema, 1996, p. 11.
[*5] In LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000, p. 50.
[+6] In BÉLKIOR, Silvia. Ioseph. Tradução para o latin de "José", poema de Carlos Drummond de Andrade, disponível em http://www.revista.agulha.nom.br/drumml07.html, acedido em 06/04/08).
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