segunda-feira, 8 de junho de 2009

Abstenção eleitoral e cidadania: problema ou sinal???


O tema da cidadania não é novo, e foi refletido vastamente por inúmeros autores no decorrer do desenvolvimento intelectual da modernidade ocidental. Adjetivo o tipo de modernidade ao qual me refiro, pois acredito existirem outras modernidades fora do tempo e espaço do Ocidente europeizado.

Em termos gerais, a cidadania define os que são membros de uma sociedade comum. Tão simples como isso? Não, ao contrário, tarefa muito complexa e cheia de meandros. Atualizada as visões clássicas de cidade e cidadania herdada dos gregos, desde os estudos de T. H. Marshall que se entende a cidadania como uma manifestação política. Mas, no meu ponto de vista, não só, visto que surgem da sua prática dois problemas, que se forem observados apenas pela sua dimensão política não é possível alcançar a sua total compreensão.

Para dar apenas um exemplo, o problema de quem pode exercer a cidadania e em que termos não é apenas uma questão do âmbito legal da cidadania e da sua natureza formal em termos dos direitos que ela assegura de acordo com cada tipo de sociedade. É, também, e eu diria, muito mais, uma questão de capacidades não-políticas dos cidadãos, derivadas dos recursos sociais que eles dominam e a que têm acesso.

Dito em palavras simples, não bastam os direitos formais, é preciso igualdade de participação, e não apenas no nível jurídico, de direitos assegurados. Não basta, embora seja um passo importantíssimo, assegurar o direito de voto, é preciso inserir os cidadãos no processo eleitoral. De uma forma alegórica, não basta dar o direito ao acesso ao lago e uma vara de pescar, é preciso ensinar a ser pescador.

Nas sociedades modernas, a participação na administração comum é feita através da governação dos Estados-nação, através da suas organizações de poder, mais ou menos idênticas nas realidades democráticas. Com algumas distinções, a maioria das democracias contemporâneas são quase todas elas representativas, e a participação na governação se faz essencialmente através do voto depositado na urna, como forma de confiança a um representante considerado legítimo para ser procurador dos seus direitos civis, falar em nome e legislar junto às instituições governamentais e de poder da sociedade.

Entretanto, a crise da representação, um fato que não é novo, se intensifica a cada nova temporada eleitoral. Uma prova dessa realidade está no crescente número de abstenções de votos nas eleições, em geral, um pouco por todo o lado do mundo ocidental moderno. Nos regimes parecidos com o brasileiro, onde o voto é obrigatório, nota-se seja na quantidade de votos nulos, propriamente, seja na dispersão de votos em candidatos cada vez mais variados, distanciados ou mesmo desprovido de qualquer referencial de orientação política consistente.
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Isso é mais visível caso de regimes eleitorais não obrigatórios, como o de muitos países europeus, e do próprio sistema de representantes da Comunidade Européia, os euro-deputados. Nas últimas eleições realizadas, o Parlamento Europeu divulgou um número provisório que é, senão desolador, assustador. A elevada abstenção destas eleições, que registou um novo recorde, 56,61% (contra os 54,6% alcançados em 2004), mostra que mais da metade dos eleitores, dito de outra maneira, os cidadãos europeus, não quer participar da vida política de suas sociedades.

Esta, claro, é uma conclusão muito simplista, evidentemente. A questão fundamental a saber é se os cidadãos não querem mesmo “participar na vida política”, ou, o que acredito, não querem mais “participar desse sistema” de representação, que não representa?

Em qualquer uma das respostas que forem alcançadas, uma coisa é fundamental, e para voltar ao tema da instrodução deste texto, é preciso reeducar os cidadãos ao processo de cidadania. Não basta inserí-los no grupo, é preciso capacitá-los com habilidades e potencialidades para exercer o seu direito de cidadania. É preciso desenvolver e reativar o gosto pela cultura política, pelo debate, pela disputa, pelo entendimento do jogo, e das regras do jogo.

Como ninguém nasce sabendo falar, nem a andar de bicicleta, também não nascemos sabendo ser cidadãos e a votar. A igonorância ainda é a maior arma utilizada pelos colonizadores para oprimir os colonizados. A preguiça em instruir-se é outra arma poderosa. Mas, esta última, sempre solta o tiro pela culatra, e o alvo é sempre aquele que faz uso dela.

4 comentários:

Jean disse...

Também fiquei pensando nesses sinais. Queria acrescentar outras coisas, mas, vou deixar para uma conversa quando pudermos tomar umas cervejinhas. Assim, a seco, não dá, rssssssssssssssss.

Mauricélia disse...

Amigo já faz tempo que as pessoas deixaram de acreditar na representação, se é que um dia acreditaram. Mas, esse dinal de recusa de participar das eleições está sério demais, não está? 56,6% é um número muito alto. Quais são as reações na europa desse facto? Estão considerando normal, ou algo curioso? Gostaria de saber mais sobre isso. Aliás, vou ler mais sobre isso buscando nos jornais na net. Espero que você continue acompanhando e nos brindando com seus comentários. Tua amiga e leitora,
Mauricélia (a baixinha).

Elisier Coutinho Franco disse...

Fly, as tuas lentes esqueceram de tocar num tema muito importante. Além do número de abstenções, o que mais choca é a vitória da extrema direita conservadora. Esse fato é muito mais preocupante, no meu ponto de vista? O que diz sobre isso?
Elisier

Valdir P. disse...

O que espanta é a vitória da extrema-direita, isso representaria uma abstenção da esquerda?